Critérios de suprimento são um tema árido, mas com impacto sobre o bolso dos milhões de brasileiros e sobre a contratação futura de energia elétrica
Por Erik Rego
Há pouco mais de 5 anos, quando estava na Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão estatal responsável pelo planejamento do setor energético, escrevi em coautoria o texto: “Por que queremos novos critérios de suprimento?”. Naquele momento, a motivação para a adoção de
novos critérios era preparar o setor para a mudança da matriz de energia elétrica, cuja transformação hoje todos já estão cansados de ler. Agora o tema volta à discussão.
Critérios de suprimento são um tema árido, mas com impacto sobre o bolso dos milhões de brasileiros e sobre a contratação futura de energia elétrica. A Consulta Pública 175, anunciada pelo governo federal e encerrada em 18 de outubro, se refere à minuta de portaria com revisão
dos parâmetros utilizados para garantia de suprimento de potência no sistema elétrico brasileiro. O governo federal discute a alteração dos parâmetros, “tendo em vista as mudanças significativas que o sistema elétrico vem atravessando, sobretudo na composição de sua matriz
de geração, além dos efeitos de eventos climáticos severos, o MME identificou a pertinência de revistar os parâmetros de riscos no planejamento do suprimento de potência no Sistema Interligado Nacional, isto é, a capacidade.”
Até 2019, os Planos Decenais de Energia buscavam não apenas limitar o risco de déficit, mas fazê-lo a partir de uma perspectiva econômica. Assim, a otimização econômica se dava por meio da equalização entre o custo marginal de expansão e o custo marginal de operação, seguindo a
resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), nº 9, de 2008.
A partir de um levantamento das melhores práticas internacionais, como bem detalha o “Relatório do Grupo Temático Critérios de Garantia de Suprimento”, de julho de 2019, disponível no site da EPE, buscou-se avaliar as referências em uso em países com predominância de
geração hidrelétrica para a seleção tanto das métricas quanto dos parâmetros de segurança do sistema pela EPE.
A partir desse levantamento, novos critérios foram incorporados ao planejamento da expansão com a publicação da Resolução CNPE nº 29/2019. Assim, requisitos de energia e potência do sistema passaram a serem dimensionados a partir desta metodologia no PDE. A metodologia, além de ser aplicada no Plano que serve como um orientador da oferta e demanda do país, é ainda utilizada para calcular e recomendar ao MME a demanda dos Leilões de Reserva de Capacidade – LRCAP.
E similar a 2021, o ano de 2024 também é de severa escassez hídrica. O grande desafio é o de atendimento da capacidade de potência, uma vez que a grande parte da matriz foi planejada, contratada e executada sob os antigos critérios de suprimento, quando apenas o requisito de
energia era dimensionado.
sso significa que os desafios deste ano, assim como os de 2021, não devem orientar decisões de longo prazo. Em outras palavras, restringir os parâmetros dos critérios de suprimento, como sugere a CP 175 (que altera os parâmetros do critério de atendimento à potência), em função dos desafios enfrentados pelo Operador com matriz que foi planejada sem o requisito de potência, tenderá a representar aumento de custo desnecessário ao consumidor.
Essa discussão foi tratada pela “NT EPE: Escassez Hídrica em 2021 Diagnóstico e Oportunidades para o Planejamento da Expansão da Oferta de Eletricidade”, publicada em 2023, cujo item “2.2.3 A confiabilidade sistêmica e o ‘risco zero’” procura explicar que não existe risco zero e que a
dimensão de risco utilizada é aquela que procura equilibrar segurança e custo. Na Nota Técnica, são usados alguns cenários de expansão da matriz com critérios mais restritivos. Para a situação de ‘risco zero’ (caso C3), seria preciso contratar a capacidade adicional de até 47,0 GW, isso
significaria custo total incremental a ser pago pelos consumidores de cerca de R$ 35,8 bilhões /ano, considerando a soma dos custos de investimento e operação. Logo, em 20 anos de contrato, o consumidor arcaria com R$ 716 bilhões.
O cálculo descrito no parágrafo anterior foi feito para chamar a atenção quanto ao absurdo de querer planejar um sistema sem risco. Entretanto, no meio do caminho, entre o hoje e o absurdo, surge a CP 175 propondo a redução dos parâmetros dos critérios de suprimento. A mesma NT já
faz as recomendações para melhorar a segurança do sistema com eficiência econômica, que em resumo, passam pela aplicação dos critérios de suprimento vigentes (Resolução CNPE nº 29) – sem redefinição de seus parâmetros, representação das restrições operativas hidráulicas e
ampliações e reforços dos sistemas de transmissão.
Com relação à representação hídrica, também não se pode deixar de considerar a necessidade de planejar cenários de afluência piores que os da média histórica, uma vez que a modelagem das vazões afluentes de médio prazo considera cenários de vazões provenientes de modelos que
convergem para a média histórica, trazendo um cenário otimista. Um claro exemplo disso é o fato de o SIN ter realizações de vazões abaixo da média histórica em oito dos últimos dez anos. Análises de sensibilidade já vêm sendo feitas tanto pelo PDE como pelo Plano da Operação
Energética – PEN do ONS.
Ainda antes de pensar em alterar parâmetros, o equacionamento do binômio segurança-custo não pode ser avaliado somente pelo lado da oferta. É preciso, cada vez, atuar pelo lado da demanda, o que significa melhorar o sinal de preços (não necessariamente mudar para preço por
oferta, mas corrigir limitações como o fato de o preço não ser o realizado, mas o estimado), ampliar e aperfeiçoar resposta da demanda, e, quando necessário, poder fazer atuações regulatórias como do horário de verão, cuja Nota Técnica do ONS (já discutida no texto publicado
nesta coluna: “Discussão sobre horário de verão reflete importância da flexibilidade e capacidade”) indica que sua adoção pode reduzir em até 3GW a necessidade do leilão de reserva de capacidade. O sistema dos próximos anos é formado por recursos energéticos distribuídos e
centralizados com geração despachável e não despachável, tornando “integração” e “flexibilidade” as palavras chaves para entender esse novo momento. Exige não apenas se olhar a oferta, mas também atuar na demanda.
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